César o Grande
“Costumava olhar para o céu e ver a forma das nuvens… agora olho para as nuvens e vejo formas no céu…”
Foram estas as últimas palavras de César Marinácio. Não foi nenhum imperador romano… Foi sim um imperador da simplicidade.
A ele escrevo esta homenagem… A vós conto a sua história.
Março de 1937 foi quando nasceu… Na madrugada do dia 19. Enquanto a sua mãe suava e sofria, César congeminava já a sua existência… “Serei um bom padeiro.” Saberia já o que é um pão? Ninguém sabe, mas a verdade é que com 3 meses de idade juntou pela primeira vez água com farinha. Seus pais encontraram-no num cesto coberto com as próprias fezes embebidas em urina… Mas na sua cabeça era farinha em água. Muitos me diriam que por a sua cabeça não teria passado a ciência de fazer o pão… Como neo-nato que era, apenas defecava e urinava… Mas eu não acredito nisso. César tinha já o brilho da sabedoria nos olhos, brilho que ofuscava mesmo a presença de bolsado na camisola… Brilho que dava já conta da sua grandeza.
Tempo passou e já infante, César deu mais uma vez prova da sua enorme generosidade… Foi em 1950 que ele passou por um pedinte sem mãos, sem braços sem pernas e sem cabeça e lhe deixou cinco tostões. Soube-se mais tarde que era o tronco de um carpinteiro que tinha sido morto e esquartejado, mas isso não diminui a grandeza do seu gesto. Foi nessa altura que César decidiu sair da sua cidade Natal (Santa Comba Dão) … Expandir horizontes e dar largas à sua vontade de ajudar os outros. Passou vários anos em Oslo a ensinar idosos isolados nas montanhas a ler e escrever. O facto de lhes ter ensinado apenas Português em nada contribuiu para o crescente isolamento que procedeu a sua passagem pela aquela região escandinava.
Continuando o brilhante trilho deste grande homem, encontramo-nos já em 1967. Ano em que regressou à sua terra natal. Já mais ninguém se lembrava que César tinha assassinado brutalmente o carpinteiro e também ninguém queria saber… Apenas estavam contentes por ver regressar um filho da terra. Até 1998, César concentrou-se em ajudar a gente da sua vila. Apegado ao seu berço como Miguel Torga, César fez muito por dar a conhecer a todos as riquezas de Santa Comba Dão. Recordo com nostalgia, o dia em que eu, o pequenino Nelson com apenas 10 anos, vi no telejornal que vários altos representantes das Nações Unidas estavam naquela terra por causa de César Marinácio... É a mais pura das verdades, meus amigos. Tinham sido encontrados quase todos com vida na cave da casa de César.
Foi ontem que o visitei pela última vez no estabelecimento prisional de alta segurança
Grandes homens acabam sempre em grande… César Marinácio não foi excepção. Foi encontrado na sua cela com a cabeça enfiada na sanita. Morreu como nasceu……… Coberto de fezes e de urina.
Olho para o céu e envio-lhe um abraço e um sorriso… na esperança de lá saberem a morada e os reenviarem para o Inferno.
Semper Fi César… Até sempre.